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Colóquio sobre a arbitragem administrativa – dia 18 de março em Lisboa // Faturação eletrónica na contratação pública – Algumas questões pertinentes // Da fiscalização da atividade municipal pela respetiva Polícia Municipal: breves apontamentos // A transferência de competências para os órgãos municipais no domínio do estacionamento público – breve elucidação // Principais questões dos leitores recebidas na semana passada

1 – Colóquio sobre a arbitragem administrativa – 18 de março, Lisboa:

O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados com o CNA – Centro Nacional de Arbitragem da Construção, irá realizar no dia 18 de março de 2020, um Colóquio sobre a Arbitragem Administrativa com vários painéis e oradores de reconhecida experiência.

Este Colóquio vai contar com o apoio institucional do Observatório das Autarquias Locais, dada a importância e o recurso crescente por parte dos Municípios ao Instituto da Arbitragem.

Conforme já referido, já são mais de duas dezenas de Municípios a preverem nas suas peças concursais (quer na fase de concurso público, quer na fase de execução dos contratos), mecanismos arbitrais para a resolução dos seus litígios em razão da celeridade e especialização das suas sentenças.

Dados os atrasos dos tribunais estaduais, estamos convictos (e, já é possível confirmar) que a utilização de mecanismos alternativos de resolução alternativos de litígios será cada vez mais frequente, razão pela qual este Colóquio será importantíssimo para dar a conhecer as virtualidades desta solução previsto no artigo 476.º do Código dos Contratos Públicos e constante do Programa de Governo.

PROGRAMA:

INFORMAÇÕES ÚTEIS

Data: 18 de março de 2020

Local: Auditório do Conselho Regional de Lisboa

Organização: Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados e Centro Nacional de Arbitragem da Construção

Apoio institucional: Associação, Observatório das Autarquias Locais

Coordenação científica: Bartolomeu de Noronha – Diretor Executivo do Centro Nacional de Arbitragem da Construção, Presidente do Conselho Científico do Observatório das Autarquias Locais e Luís M. Alves – Diretor do Centro de Estudos Jurídico-Administrativos do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (CEJA/CRL)

Coordenação executiva: João Massano – Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados

SESSÃO DE ABERTURA

09h40

I. Introdução à Arbitragem Necessária

Duarte Gorjão Henriques – Advogado e Árbitro

II. A Arbitragem Institucionalizada

Bartolomeu de Noronha – Diretor Executivo do Centro Nacional de Arbitragem da Construção, Presidente do Conselho Científico do Observatório das Autarquias Locais

III. A Arbitragem ad hoc

Tiago Amorim – Advogado e Árbitro

INTERVALO PARA ALMOÇO
SESSÃO DA TARDE

14h00

IV. A Arbitragem de litígios relativos a atos administrativos

Miguel Lucas Pires – Professor Universitário e Árbitro

V. A Arbitragem de litígios relativos a atos administrativos pré-contratuais e contratos administrativos

Carla Granjo – Advogada e Árbitra

Manuel Luís Gonçalves – Diretor Jurídico do Grupo Casais e Árbitro

Pedro Leite Alves – Advogado e Árbitro

SESSÃO DE ENCERRAMENTO

17h30

Bartolomeu de Noronha

João Massano

 

As inscrições podem ser efetuadas através do email crlisboa@crl.oa.pt. 

 

2 – Faturação eletrónica na contratação pública – Algumas questões pertinentes:

A faturação eletrónica não é uma questão nova nem tem, no âmbito fiscal, suscitado muitas dúvidas. Já o mesmo não se poderá dizer no que respeita à sua articulação com a contratação pública, sendo de salientar que, muito em breve, vão colocar-se questões práticas que, face ao regime previsto no Código dos Contratos Públicos, são de difícil resolução e sobre as quais não há, ainda, reflexões. Importa, por isso, com o presente artigo, sintetizar esta nova obrigação e procurar algumas soluções possíveis para questões que se colocarão na gestão diária das entidades adjudicantes e dos cocontratantes.

Em primeiro lugar, a Diretiva 2014/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa à faturação eletrónica nos contratos públicos, de acordo com o seu artigo 1.º (âmbito de aplicação), aplica-se às faturas eletrónicas emitidas na sequência da execução de contratos aos quais a Diretiva 2009/81/CE, a Diretiva 2014/23/UE, a Diretiva 2014/24/UE ou a Diretiva 2014/25/UE são aplicáveis, definindo (artigo 2.º) «Fatura eletrónica» como uma fatura que foi emitida, transmitida e recebida num formato eletrónico estruturado que permite o seu tratamento automático e eletrónico.

Esta Diretiva 2014/55/UE foi transposta para o Código dos Contratos Públicos (CCP) pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, conforme alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º, aditando o artigo 299.º-B ao CCP.

Na prática, uma fatura eletrónica pode ser processada através de uma das seguintes formas: do acordo de intercâmbio eletrónico de dados (EDI), ou seja, a transferência eletrónica, de computador para computador, de dados comerciais e administrativos utilizando uma norma acordada para estruturar uma mensagem EDI; ou através de faturas com a assinatura eletrónica avançada ou selo eletrónico avançado nos termos do Regulamento (UE) n.º 910/2014. A fatura eletrónica não é uma simples fatura emitida através de programa de faturação certificado pela Autoridade Tributária. Para falarmos de fatura eletrónica, ela terá que assumir uma daquelas configurações.

Contudo, em termos da legislação europeia, e conforme transposto para Portugal, para aplicação nas situações abrangidas no âmbito da Contratação Pública, não é suficiente enviar por e-mail a um cliente uma fatura em PDF para que esta seja considerada uma fatura eletrónica. A faturação eletrónica exige que os dados sejam criados com uma estrutura correta (definida por um modelo standard europeu) e, depois disso, que seja enviada diretamente do sistema do vendedor para o do comprador. Desta forma, a fatura pode ser importada automaticamente para o sistema da entidade pública, sem necessidade de inserção manual.

Uma apresentação visual da fatura (em imagem digital ou PDF, por exemplo) pode ser criada, com o objetivo de ser compreensível ao utilizador, mas é apenas um complemento à transmissão eletrónica dos dados de faturação – e não o objetivo principal. Na prática, uma fatura eletrónica é um documento idêntico à tradicional fatura em papel, que mantém um valor legal idêntico, porém, o seu tratamento decorre exclusivamente em formato digital: a emissão, envio, receção e arquivo das faturas decorre unicamente por via eletrónica.

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto (artigo 9.º), na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 123/2018, de 28 de dezembro, determina que os contraentes públicos referidos no artigo 3.º do CCP são obrigados, a partir de 18 de abril de 2019, a receber e a processar faturas eletrónicas no modelo a que se refere o n.º 3 do artigo 299.º-B do mesmo Código, sendo o prazo alargado até 18 de abril de 2020 para os contraentes públicos que não integrem as alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do CCP (fundações públicas; administração local, incluindo juntas de freguesia; associações públicas e outras entidades públicas). Para as micro, pequenas e médias empresas, definidas nos termos da Recomendação 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003 (as que não ultrapassam 249 funcionários; 50 milhões de euros de faturação ou 43 milhões de euros de balanço), e para as entidades públicas enquanto entidades cocontratantes o prazo é alargado até 1 de janeiro de 2021.

Não obstante, importa referir que no considerando 52 da Diretiva 2014/24/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014, “Os meios eletrónicos de informação e comunicação podem simplificar grandemente a publicação dos contratos e aumentar a eficiência e a transparência dos procedimentos de contratação. (…) Importa esclarecer também que a utilização obrigatória dos meios eletrónicos de comunicação, em conformidade com a presente diretiva, não deverá, contudo, obrigar as autoridades adjudicantes a proceder ao tratamento eletrónico das propostas, nem deverá obrigar à avaliação em linha ou ao tratamento automático. Além disso, nos termos da presente diretiva, nenhum elemento do processo de contratação pública após a adjudicação do contrato deverá implicar a utilização obrigatória dos meios de comunicação eletrónicos; (…)”. A este propósito, conforme (Silva, J. 2018, pág. 616)[1] as Diretivas Comunitárias relativas à contratação pública vêm incrementado a utilização dos meios eletrónicos, sendo que a Diretiva dos Contratos Públicos “(…) limita-se a regular a utilização de meios informáticos na fase da formação do contrato, e não da sua execução (…)

Em segundo lugar, olhando, agora, em concreto para o artigo 299-B do CCP, temos, desde logo (n.º 1) a determinação de que, no âmbito da execução de contratos públicos, os cocontratantes são obrigados a emitir faturas eletrónicas. Por seu turno (n.º 2), não são exigidas faturas eletrónicas quando se trate da execução de contratos declarados secretos ou acompanhados de medidas especiais de segurança e (n.º 3) o modelo de fatura eletrónica é o estabelecido pela norma europeia respetiva aprovada pela Comissão Europeia e publicitada no portal dos contratos públicos. A regulamentação dos aspetos complementares da faturação eletrónica é feita nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das obras públicas, conforme n.º 5. Em sequência, foi publicada a Portaria n.º 289/2019, de 5 de setembro, que regulamenta os aspetos complementares da fatura eletrónica, mas que nada refere, por exemplo, quanto à não sujeição de determinados contratos ou cocontratantes.

É, sobretudo, quanto à sujeição da disciplina contida no artigo 299.º-B no que respeita às entidades e contratos abrangidos que nos debruçaremos por ora.

Como já referido, importa ter em considerações dois prazos:

  1. 18 de abril 2020 – Para as grandes empresas ( 250 funcionários; > 50 milhões de euros de faturação ou > 43 milhões de euros de balanço);
  2. 1 de janeiro de 2021 – Para as micro, pequenas e médias empresas (as que não ultrapassam aqueles limiares).

De acordo com a Recomendação 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003, em concreto o seu artigo 2.º, a categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros. Portanto, apenas estas serão obrigadas a emitir faturas eletrónicas, no âmbito dos contratos públicos, a partir de 1 de janeiro de 2021.

Poderia questionar-se, por exemplo, se os empresários em nome individual (ENI), sem contabilidade organizada, ou associações com atividade económica estão dispensados da emissão de faturas eletrónicas. No entanto, atento o artigo 1.º da Recomendação, “Entende-se por empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma actividade económica. São, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma actividade artesanal ou outras actividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma actividade económica.

Também, de acordo com o Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 81/2017, de 30 de junho, o conceito de empresa é igual ao da Diretiva podendo, em consequência, um ENI ou uma Associação com atividade económica requerer a sua certificação eletrónica como PME.

Face ao exposto, um ENI sem contabilidade organizada que celebre com uma entidade adjudicante um contrato por ajuste direto e que não esteja sequer obrigado à emissão de faturas através de programas certificados pela Autoridade Tributária (porque tem volume de negócios inferior a 50 mil euros por ano), passa a estar obrigado a emitir uma fatura eletrónica para cumprir com o disposto no artigo 299.º-B. Ou seja, apesar de estar dispensado de utilização de programa de faturação certificado nos termos da legislação fiscal (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro) não poderá aproveitar esta dispensa caso venha a ser fornecedor de entidades adjudicantes no âmbito da Contratação Pública.

No entanto, outras questões se podem colocar. Retomando o exemplo anterior, uma entidade adjudicante no âmbito de um convite ou concurso, não tem, à partida, no CCP, nenhum mecanismo que lhe permita aferir, no momento da análise das propostas ou da habilitação se os concorrentes/candidatos emitem faturas eletrónicas. Além disso, não parece que possa afastar o convite a uma entidade ou excluir um concorrente/candidato que no momento da apresentação da proposta não emita faturas eletrónicas, porquanto, caso venha a celebrar o contrato pode passar a faze-lo. Também, não se vislumbra a possibilidade de se exigir uma declaração a assumir essa obrigação, pois a mesma decorre da lei e deve ser do conhecimento das entidades que pretendem celebrar contratos públicos. Esta situação, parece-nos, vai, contudo, na prática, trazer, pelo menos num momento inicial, problemas de difícil resolução. A titulo de exemplo, o ENI que celebrou um contrato por ajuste direto emite, na sequência da execução do contrato, uma fatura que não é uma fatura eletrónica. A entidade adjudicante vai, naturalmente, ter de rejeitar essa fatura por não ser o formato exigido na lei. O ENI irá com certeza ficar surpreendido e pedir explicações e até que perceba que tem de efetivamente emitir uma fatura eletrónica, procurar um software e cumprir os demais procedimentos para instalação e operacionalização do mesmo, decorrerão uns dias ou semanas, sendo que a emissão da fatura pode, inclusive, não respeitar os prazos legais para a sua emissão: o mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que os bens são postos à disposição do adquirente, ou do momento da realização/conclusão das prestações de serviços (conforme n.º 1 artigo 36.º do CIVA[2]). Pode, inclusive, dar-se a mudança de ano económico, a fatura ser necessária para comprovar uma despesa sujeita a comparticipação e o pagamento será muito posterior ao prazo acordado (por facto imputável ao cocontratante é certo) mas com possíveis impactos financeiros na tesouraria dessa entidade. No interior do país, onde muitas aquisições são feitas e microempresas ou ENI’S sem contabilidade organizada, sendo que, em muitos casos, os empresários têm baixos níveis de escolaridade e apresentam médias de idade elevadas, irá haver, com certeza, muitas dificuldades.

Neste sentido, para que estas obrigações não sejam uma “barreira” à contratação de algumas empresas mais pequenas ou ENI’S, é importante que as associações empresariais, contabilistas certificados, entidades públicas, entre outros, divulguem informação relativa a estas obrigações e preparem convenientemente as empresas para a mudança, em especial nos casos em que é frequente a celebração de contratos com entidades adjudicantes. Também, do lado das entidades adjudicantes, importa salientar as dificuldades que algumas freguesias mais pequenas e com menos meios e recursos humanos poderão sentir, salientando-se a necessidade de maior divulgação de informação e apoio ao cumprimento das obrigações por parte destas.

Em terceiro lugar, ultrapassada a questão relacionada com o âmbito subjetivo, coloca-se o problema do âmbito objetivo da norma. O artigo 299.º-B do CCP refere apenas que “No âmbito da execução de contratos públicos, os cocontratantes são obrigados a emitir faturas eletrónicas (…)”. Daqui, parece resultar que, na decorrência de todos os contratos, é necessário que o cocontratante emita uma fatura eletrónica. No entanto, imaginemos que, por exemplo, no âmbito de uma deslocação de um Presidente de uma Câmara do norte do país a Lisboa para uma reunião com um membro do Governo, este tem necessidade de colocar combustível na viatura num posto de abastecimento. Trata-se de uma despesa que, porventura, será paga pelo Fundo de Maneio. Se, relativamente ao contrato de fornecimento de combustível para utilização nas máquinas e viaturas do município não resultam dúvidas de que o adjudicatário terá de enviar as faturas em formato eletrónico, já, no caso concreto, questiona-se como poderá o Posto de Abastecimento emitir uma fatura eletrónica. Outra questão coloca-se, por exemplo, quando, na sequência da reunião com o membro do governo, o Presidente de Câmara se dirige a um restaurante para almoçar. Terá de procurar um restaurante que emita faturas eletrónicas?

Alguns colegas de outros municípios e as próprias empresas fornecedoras de software[3] com quem temos tido oportunidade de comentar esta questão, defendem que, precisamente pelo facto de existirem situações como as descritas anteriormente, as despesas pagas através do Fundo de Maneio tem de estar excluídas do âmbito de aplicação.

Importa, por isso, antes de outras considerações em matéria de contratação pública, atender ao conceito de Fundo de Maneio estatuído no artigo 32.º do Regime da Administração Financeira do Estado (Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho): “Para a realização de despesas de pequeno montante podem ser constituídos fundos de maneio em nome dos respectivos responsáveis, em termos a definir anualmente no decreto-lei de execução orçamental.”. No caso das Autarquias Locais, conforme estabelecia[4] o ponto 2.3.4.3 do POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22 de fevereiro, o Fundo de Maneio tinha como propósito “Em caso de reconhecida necessidade (…) permitir o pagamento de pequenas despesas urgentes e inadiáveis (…) não podendo conter em caso algum despesas não documentadas.”. No entanto, com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (SNC-AP), atento o disposto nas Notas de Enquadramento ao Plano de Contas Multidimensional, aprovadas em anexo à Portaria 189/2016, de 14 de julho, que designa o “Fundo de Maneio” de “Fundo Fixo”, destinando-se a respetiva conta (118) “(…) a registar os movimentos relativos a dinheiro sob a responsabilidade de trabalhadores para pagar despesas de reduzido montante.

De somais interesse importa, também, atender ao disposto na Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso das Entidades Públicas (Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro) que determina (Artigo 9-º) que “Nenhum pagamento pode ser realizado (…) sem que o respetivo compromisso tenha sido assumido em conformidade com as regras e procedimentos previstos na presente lei e em cumprimento dos demais requisitos legais de execução de despesas.”, sendo que, no que respeita à questão concreta do Fundo de Maneio, deverá atender-se ao disposto no Decreto-Lei n.º 127/2012[5], de 21 de junho, sendo de realçar que o legislador no preâmbulo do mesmo assume a “simplificação do processo de assunção de compromissos decorrentes de despesas urgentes e imprevisíveis e das despesas realizadas mediante utilização do fundo de maneio, sendo que, no segundo caso, a assunção do compromisso deve ocorrer (…) no momento da reconstituição do fundo de maneio, não existindo a necessidade de se proceder individualmente ao compromisso de cada uma das faturas pagas pelo fundo de maneio.”. No artigo 10.º estipula-se que “Os pagamentos efetuados pelo fundo de maneio são objeto de compromisso pelo seu valor integral aquando da sua constituição e reconstituição, a qual deve ter caráter mensal e registo da despesa em rubrica de classificação económica adequada.

Posto isto, sem aprofundar outras questões relacionados com o direito da despesa pública, falta esclarecer qual a relação das despesas pagas através do Fundo de Maneio e o Código dos Contratos Públicos, designadamente no que se refere à aplicação do mesmo às despesas pagas através deste mecanismo. Assim, se atendermos ao disposto no artigo 16.º do CCP, facilmente se conclui que nas despesas pagas através do Fundo de Maneio para aquisição de bens móveis e serviços[6], que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, terá de se utilizar um dos procedimentos referidos no n.º 1, sendo de concluir, que esse procedimento é o ajuste direto simplificado. Esta conclusão resulta do facto do Fundo de Maneio servir precisamente para o pagamento de despesas de pequeno montante, urgentes e inadiáveis.

Não é de estranhar, por isso, que muitos regulamentos de entidades públicas relativos à utilização dos Fundos de Maneio remetam para o cumprimento do disposto na parte II do CCP.

Ora, nada dizendo a legislação, em nosso entender, a única conclusão possível terá de resultar da análise ao artigo 128.º do CCP, designadamente o disposto no n.º 3, determinando que “O procedimento de ajuste direto regulado na presente secção está dispensado de quaisquer outras formalidades previstas no presente Código, incluindo as relativas à celebração do contrato e à publicitação prevista no artigo 465.º”.

Conforme (Sánchez, P., 2020, pág. 564)[7], “Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 128.º, a única formalidade que consta de toda a Parte II do CCP e cujo cumprimento se impõe no ajuste direto simplificado é a prática de um acto de adjudicação, o qual pode ter lugar diretamente sobre a factura ou sobre um documento equivalente que a entidade convidada apresente.”. Por outro lado, relativamente às dúvidas se as formalidades dispensadas são as que constam apenas da Parte II ou se da Parte II e III do CCP, (Idem, pág. 567) refere que “(…) o n.º 3 do artigo 128.º prevê que ficam dispensadas «quaisquer outras formalidades previstas no presente Código», sem distinguir se elas se encontram previstas na Parte II ou na Parte III e se incidem sobre a fase de formação ou a fase de execução do contrato. A dispensa é operada em bloco, porque qualquer formalidade adicional que o interprete imponha tem o efeito de diluir qualquer vantagem procedimental obtida pela simplificação.”. O autor acrescenta que o facto de o “mesmo preceito apontar como exemplo de formalidades dispensadas (…) a publicitação prevista no artigo 465.º, a qual incide também sobre a execução, e não apenas sobre a formação, de contratos públicos.”, pelo que o n.º 3 do artigo 128.º não deve ser objeto de uma interpretação restritiva, contendo a dispensa de formalidades referentes apenas à Parte II do CCP.

Face ao exposto, a não exigência de fatura eletrónica não estará dependente do valor dos contratos nem da utilização de mecanismos destinados a agilizar a realização de pequenas despesas, como é o caso do Fundo de Maneio ou Fundo Fixo, mas do tipo de procedimento utilizado, estando, à partida, dispensada apenas no caso de ajustes diretos simplificados. Isto porque, por exemplo, na aquisição de um determinado bem móvel, se o contrato é celebrado através de ajuste direto simplificado ou Ajuste Direto Regime Geral, Consulta Prévia ou um procedimento de concurso, teríamos, no primeiro caso, dispensa de fatura eletrónica. Também, num contrato celebrado por ajuste direto simplificado com o valor de 4.000 euros e noutros contratos (celebrados através de procedimentos de Ajuste Direto Regime Geral, Consulta Prévia ou Concurso) com valores inferiores, por exemplo 1.000 euros, a exigência da fatura eletrónica apenas se colocará no segundo caso, mesmo que o contrato seja de menor valor.

Por fim, face às dúvidas que possam subsistir nesta questão específica, tal como noutras, será importante que, no âmbito das suas competências, o Instituto dos Mercados Públicos, Imobiliário e da Construção, I.P. emita uma orientação técnica sobre o assunto para garantir uma uniformização dos vários entendimentos que possam existir.

Os Autores:

Paulo Mendonça Tolda, Chefe da Divisão Administrativa e Financeira no Município de S. João da Pesqueira;

Paulo Marques, Contabilista Certificado e Formador.

1 – Código dos Contratos Públicos: Anotado e Comentado, 7.º Edição Revista e Atualizada. Coimbra, Almedina.

2 – Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei 394-B/84, de 26 de dezembro.

3 – Em decorrência da experiência adquirida na implementação das soluções de faturação eletrónica nas diversas entidades adjudicantes.

4 – O Decreto-Lei n.º 192/2015 de 11 de setembro, revogou o POCAL com exceção dos pontos 2.9, 3.3 e 8.3.1, relativos, respetivamente, ao controlo interno, às regras previsionais e às modificações do orçamento.

5 – Contempla as normas legais disciplinadoras dos procedimentos necessários à aplicação da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, aprovada pela Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, e à operacionalização da prestação de informação nela prevista.

6 – Consideramos apenas os contratos de aquisição de bens móveis e serviços, uma vez que não terá cabimento pagar despesas respeitantes aos restantes contratos previstos no n.º 2 do artigo 16.º do CCP pelo Fundo de Maneio, como por exemplo empreitadas e concessões.

7 – Direito da Contratação Pública, Vol. II, Lisboa, AAFDL.

 

3 – Da fiscalização da atividade municipal pela respetiva Polícia Municipal: breves apontamentos:

Sumário: § 0. Introdução. § 1. Da perspectiva estática. § 2. Da perspectiva dinâmica

  • 0. Introdução
  1. No presente escrito iremos abordar matéria não, diríamos, profunda ou sumariamente tratada, mas que, salvo melhor opinião, pode determinar que o cidadão possa – por dúvidas sérias criadas no seu espírito interrogativo – tentar accionar. Com efeito, perante a institucionalização de um serviço de polícia municipal, poderá o cidadão – excluímos aqui uma perspectiva intraadministrativa, por, como infra destacaremos, se recairia, no extremo em esquizofrenia jurídica – ter a tentação de solicitar o apoio da Polícia Municipal respectiva, perante um incumprimento de leis e regulamentos, por órgãos e serviços do Município.
  • 1. Da perspectiva estática
  1. A este conspecto, é mister, justamente, salientar o facto de que a polícia municipal vem a ser, na acepção do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio[i] – que aprovou o regime jurídico das polícias municipais de regime comum (adiante RJPM) –, um serviço municipal, sendo que o legislador expressamente alude à natureza enquadrada e dependente daquele serviço, mormente no plano hierárquico.
  2. De notar, aliás, que os próprios poderes de autoridade a que aquela norma alude sofrem o influxo daquela contextualização ou daquele enquadramento, sendo de notar, em particular, que o legislador configura e assume os poderes de autoridade a que a norma remissivamente se reporta de forma referenciada à natureza de serviço municipal que caracteriza a polícia municipal.
  3. Dando mais um passo estrutural ou orgânico – em sentido amplo – o n.º 1 do artigo 2.º do RJPM[ii] faz reportar a polícia administrativa ao município em termos de competência; por outras palavras: pese embora a deficiente expressão literal assumida pelo legislador, a polícia administrativa é assumida na citada norma enquanto atribuição municipal, imputação que apenas tem de específico que o exercício – material – da função de polícia administrativa (que é, afinal, reitere-se, também atribuição) apenas pode ser desempenhada pelo serviço de polícia municipal cuja criação e instalação é, até no plano deliberativo, sujeito a uma disciplina normativa específica, distinta e mais exigente da que, em geral, é exigida para a criação, modificação e extinção dos demais serviços municipais.
  4. Implicitamente, o próprio legislador acaba por confessar, por assim dizer, no cotejo dos artigos 3.º e 4.º do RJPM – maxime face ao n.º 1 deste último artigo[iii] – que as “funções” enumeradas naquela primeira disposição vêm a ser, afinal, as condutas materiais correspondentes, de um modo geral, às competências consignadas no artigo 4.º, em especial no seu n.º 1, defluindo claramente do confronto de ambos os artigos que as “funções” a que o primeiro se reporta são, afinal, o aspecto ou a vertente material, física, existencial, operacional, concretizadora no plano do real, das competências (em sentido técnico-jurídico) previstas no artigo 4.º.
  5. É, aliás, claramente patenteado o desconchavo e o pouco rigor jurídico posto na redacção da Lei; bastará com efeito, atentar-se, desde logo, na epígrafe e o n.º 1 do citado artigo 4.º, aludindo a primeira a competências e o segundo a atribuições, numa redacção claramente ilustrativa da impropriedade, no plano técnico-jurídico, de reportar as competências a que o artigo 4.º se refere às atribuições da polícia municipal na medida em que a atribuição é, afinal, a de polícia administrativa, e esta é, claramente, imputada ao município, como se depreende dos termos conjugados do n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 2.º do RJPM.
  • 2. Da perspectiva dinâmica
  1. Não sendo este o momento para uma extensa retórica argumentativa, ainda assim, a afirmação imediatamente anterior dá o mote para se passar à segunda das perspectivas ou vertentes que acima se mencionou; a dinâmica ou funcional.
  2. Destarte, pois, funcionalmente, qualquer das competências – stricto sensu – enunciadas no artigo 4.º têm como pressuposto uma conduta imputável ao município – seja porque defluindo da aplicação de norma regulamentar, seja porque resultando ou derivando de acto administrativo ou da necessidade de dar execução a decisão administrativa – que um sujeito a que a norma ou acto se aplica deve obedecer, acatar ou dar cumprimento.
  3. Isso mesmo é reflectido, aliás, até na – imperfeita – estatuição do n.º 3 do artigo 3.º do RJPM;[iv] com efeito, uma leitura mais superficial ou apressada poderia tentar extrair desta disposição uma interpretação segundo a qual a polícia municipal se poderia opor aos órgãos municipais por se recusarem a prática de actos devidos quando, claramente, o que ali é pressuposto, a propósito das “relações administrativas”, é que o sujeito/particular/administrado cuja conduta é ilícita por consubstanciar uma conduta – activa ou omissiva – da qual deriva uma recusa a dar sequência, acatar ou executar conduta que lhe é imposta no âmbito da relação entabulada entre aquele e o município.
  4. Por outro lado, todas as normas que, nos termos do citado artigo 4.º, pressuponham deveres de reporte ou de denúncia de infracções devem ser lidas no contexto sistemático do direito penal e processual penal, nomeadamente no que concerne a ilícitos de denúncia obrigatória – cujo dever de denúncia se estende, aliás, aos “funcionários públicos” em geral, sejam ou não polícias – não servindo, por isso, para afirmar uma faculdade fiscalizadora sobre órgãos ou titulares de órgãos municipais.
  5. Pelo contrário, o disposto, conjugadamente, nas alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 4.º e nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 3.º, ambos do RJPM, depõem, a nosso ver decisivamente, no sentido da unidireccionalidade da faculdade fiscalizadora em que a polícia municipal está investida, unidireccionalidade que aquela concatenação normativa indicia ser apenas ad extra, nunca ad intra.
  6. A propósito, cumpre notar, aliás, que sempre que, nos termos da al. h) do n.º 1 do artigo 4.º, a competência fiscalizadora não seja do município, a elaboração dos autos ali referidos e a remessa à autoridade competente não é uma faculdade livre da polícia municipal, apenas existindo se e na medida em que a lei o impuser ou permitir, retirando-se, assim, qualquer faculdade discricionária da polícia para o fazer ou não.
  7. Porém, poderá dizer-se que todo o contexto e enquadramento normativo que tem vindo a recensear-se não configura senão meros indícios – que, ainda que assim se entenda, sempre se reputam bastante fortes – que militam no sentido da preclusão de qualquer faculdade fiscalizadora ad intra das polícias municipais.
  8. Já o mesmo não poderá dizer-se das estatuições dos artigos 6.º, n.º 1, e 10.º, n.ºs 1 e 2 do RJPM[v], onde se contêm fortes argumentos no sentido da inviabilidade da postulação de uma faculdade fiscalizadora ad intra, uma vez que a hierarquia é, claramente, incompatível com a admissão de uma tal tipologia de faculdade fiscalizadora, uma vez que tal prerrogativa não apenas infringiria os corolários decorrentes do princípio da imparcialidade como, por outro lado, careceria de expresso suporte competencial habilitante, que, como já se disse, não se vislumbram na lei.
  9. Bastará, aliás, ter-se presente o lugar paralelo do regime jurídico da inspecção directa e indirecta do Estado (Decreto-Lei n.º 146/2007, de 31 de julho), de cujo artigo 10.º[vi] resulta um explícito mandato de autonomia técnica que não vem a ser se não, em última análise, a necessidade de libertar funcionalmente das peias da obediência – e, por isso, da hierarquia – o pessoal com funções inspectivas, sob pena de, afinal, se negar o próprio escopo e natureza da actividade inspectiva.
  10. Por outro lado, o artigo 10.º do RJPM perfila-se, para este efeito, um afloramento do princípio da precedência de lei em matéria de investidura competencial que, para mais, depõe também no sentido da inadmissibilidade legal do que, no final de contas, seria uma faculdade (para)inspectiva da polícia municipal na medida em que, justamente, a finalidade do exercício competencial tutelar previsto naquele artigo 10.º é, precisamente, a averiguação – e sendo caso disso, sancionamento – do cumprimento das leis e dos regulamentos por parte dos municípios.

Os Autores:

Rui Duarte, Jurista

Luís M. Alves, Consultor

i – Artigo 1.º, n.º 1: As polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos na presente lei.

ii – Artigo 2.º, n.º 1: No exercício de funções de polícia administrativa, é atribuição prioritária dos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos.

iii – Artigo 3.º, n.º 1: As polícias municipais exercem funções de polícia administrativa dos respectivos municípios, prioritariamente nos seguintes domínios:

  1. a) Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais;
  2. b) Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município;
  3. c) Aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais.

Artigo 4.º, n.º 1: As polícias municipais, na prossecução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de:

  1. a) Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e protecção da natureza e do ambiente, do património cultural e dos recursos cinegéticos;
  2. b) Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal;
  3. c) Execução coerciva, nos termos da lei, dos actos administrativos das autoridades municipais;
  4. d) Adopção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições à circulação, em coordenação com as forças de segurança competentes, quando necessário;
  5. e) Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal;
  6. f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente;
  7. g) Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3.º;
  8. h) Elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infracções cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita;
  9. i) Instrução dos processos de contra-ordenação e de transgressão da respectiva competência;
  10. j) Acções de polícia ambiental;
  11. l) Acções de polícia mortuária;
  12. m) Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização.

iv – Artigo 3.º, n.º 3: Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas.

v – Artigo 6.º, n.º 1: A polícia municipal actua no quadro definido pelos órgãos representativos do município e é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara.

Artigo 10.º, n.ºs 1 e 2: A verificação do cumprimento das leis e dos regulamentos por parte dos municípios, em matéria de organização e funcionamento das respectivas polícias municipais, compete aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais.

Sem prejuízo dos poderes de tutela previstos na lei geral sobre as autarquias locais, compete ao membro do Governo responsável pela administração interna, por iniciativa própria ou mediante proposta do membro do Governo responsável pelas autarquias locais, determinar a investigação de factos indiciadores de violação grave de direitos, liberdades e garantias de cidadãos praticados pelo pessoal das polícias municipais no exercício das suas funções policiais.

vi – Artigo 10.º: Os dirigentes dos serviços de inspecção e o pessoal de inspecção gozam de autonomia técnica no exercício das tarefas de inspecção que lhes sejam confiadas.

 

4 – A transferência de competências para os órgãos municipais no domínio do estacionamento público – breve elucidação

  1. À luz dos princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública, plasmados no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa, e pretendendo adequar os serviços às populações, com uma maior legitimação da intervenção dos municípios nos seus territórios, em prol dos interesses dos cidadãos que procuram por parte da administração pública uma resposta ágil e adequada, a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto (doravante Lei n.º 50/2018), estabeleceu o quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, e atribuiu aos órgãos municipais a competência para regular, fiscalizar, instruir e decidir os procedimentos contraordenacionais rodoviários em matéria de estacionamento nas vias e espaços públicos sob jurisdição municipal, para além dos destinados a parques ou zonas de estacionamento [artigo 27.º (“Estacionamento público”) da Lei n.º 50/2018][vii].
  2. O Decreto-Lei n.º 107/2018, de 29 de novembro veio concretizar, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da referida Lei e ao abrigo do artigo 27.º supra citado, a transferência dessas competências. Assim, os órgãos municipais passaram a ter a competência, sem necessidade de prévia autorização da Administração Central do Estado, para a regulação e fiscalização do estacionamento nas vias e espaços públicos, dentro das localidades (para além dos destinados a parques ou zonas de estacionamento) e fora das localidades sob jurisdição municipal [al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma], bem como a competência para a instrução e decisão de procedimentos contraordenacionais rodoviários, incluindo a aplicação de coimas e custas, por infrações leves[viii] relativas ao estacionamento proibido, indevido ou abusivo nos parques ou zonas de estacionamento, vias e nos demais espaços públicos, dentro das localidades e fora das localidades sob jurisdição municipal [al. b) do n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma][ix].

Esta competência não obsta a que empresas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal possam exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, nos termos do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro (doravante Decreto-Lei n.º 146/2014), de acordo com o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 107/2018. De recordar que esta fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 71.º do CE (cf. artigo 2.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 146/2014).

Assim, o primeiro ponto a reter é a competência destas entidades[x] para fiscalizar as infrações atinentes a estacionamento de contraordenações leves e graves [cf. n.º 4 do artigo 48.º, n.º 1 do artigo 49.º, artigo 50.º, artigo 71.º e alíneas o) e q) do n.º 1 do artigo 145.º, todos do CE] sem necessidade de prévia autorização da Administração Central do Estado, desde que: (i) dentro das localidades[xi]: todas as vias e espaços públicos, parques e zonas de estacionamento; (ii) fora das localidades: vias e espaços públicos, parques ou zonas de estacionamento, sob jurisdição municipal.

  1. O exercício destas competências é atribuído à câmara municipal[xii] que pode ainda delegar numa empresa local, desde que esta cumpra todos os requisitos previstos no artigo 19.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto (cf. n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 107/2018). Em termos operacionais, de acordo com a alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 107/2018, (i) existe um aplicativo informático de apoio à fiscalização designado por SCot (Sistema de Contraordenações de Trânsito) que deve ser usado para o levantamento dos autos de contraordenação[xiii] a par (ii) dos equipamentos de controlo e fiscalização aprovados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).
  2. Para a instrução do processo contraordenacional (e também designação do instrutor), e para a aplicação de coimas e custas, a competência está afeta ou (i) ao presidente da câmara municipal, o qual tem a faculdade de delegar nos outros membros da câmara municipal; ou (ii) ao presidente do órgão de gestão ou administração de empresa local com faculdade de subdelegação, nas situações em que tenha sido delegada pela câmara municipal essa competência (cf. n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 107/2018). Tendo em conta o n.º 7 do artigo 169.º do CE[xiv], os órgãos municipais e as empresas locais com competência delegada têm a competência exclusiva para a instrução e decisão de processos de contraordenação incluindo a decisão da coima por infrações leves, seja dentro ou fora das localidades, como supra referido[xv].

Em termos genéricos, a tramitação destes processos de contraordenação rege-se pelo CE e supletivamente pelo RGCO, pelas normas do Código Penal e do Código de Processo Penal e pela legislação complementar ou específica que tipifica determinada infração como contraordenação e fixa os respetivos montantes das coimas (cf. artigo 132.º do CE). In casu, designadamente o n.º 4 do artigo 48.º, n.º 1 do artigo 49.º, artigo 50.º e artigo 71.º, todos do CE.

De acordo com as alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 107/2018, (i) os órgãos competentes pela instrução devem utilizar o SCoT para o levantamento dos autos de contraordenação; (ii) os autos de contraordenação devem ser levantados de acordo com o modelo eletrónico aprovado pelo presidente da ANSR[xvi]; e (iii) os órgãos competentes pela instrução devem facultar à ANSR, por via eletrónica, a informação relativa a processos contraordenacionais para efeitos de consolidação estatística[xvii].

Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 107/2018, os municípios[xviii] têm acesso à identificação do titular do veículo e respetivo domicílio do seu titular, através de Protocolo celebrado com o Instituto de Registos e Notariado, I.P. (IRN, I.P.), sendo certo que o acesso a estes dados específicos, na medida do estritamente necessário, é efetuado com salvaguarda da segurança e da confidencialidade dos dados pessoais ou de matérias sujeitas a sigilo, em cumprimento da legislação sobre a proteção de dados (cf. n.º 4 do artigo 7.º do referido diploma). Quando as competências estejam delegadas em empresa local, pode o município ceder a sua posição no Protocolo, mediante autorização do IRN, I.P., cabendo ao presidente do órgão de gestão ou administração daquela a indicação do pessoal com funções de fiscalização da empresa que poderá aceder à informação (n.º 3 do artigo 7.º do referido diploma).

Do lado do cidadão, de salientar o Portal das Contraordenações, ferramenta útil na consulta de todos os processos de contraordenações rodoviárias e registo de infrações do condutor, permitindo ainda a apresentação de requerimentos, como defesas, pedidos de pagamento da coima em prestações ou pedidos de consulta de processos[xix].

  1. Terminada a instrução do processo, a decisão a proferir será ou de arquivamento ou de condenação, esta última que implicará, em regra, a aplicação de uma sanção pecuniária (coima) e/ou custas (no caso de não ter existido o pagamento voluntário da coima). Na verdade, é ainda possível equacionar a aplicação de uma admoestação[xx], medida sancionatória de carácter não pecuniária, que se traduz numa advertência, sob a forma escrita, na qual se desaprova o comportamento do arguido (cf. artigo 51.º do RGCO, aplicável, desde logo, por força do artigo 132.º do CE), exigindo-se o cumprimento de dois requisitos cumulativos para a sua aplicação: (i) a reduzida gravidade da infração; e (ii) da culpa do agente.

Quanto à determinação do valor da coima, este apuramento implica sempre ter em conta a gravidade da contraordenação, a culpa, os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos e a situação económica do arguido (quando conhecida) (cf. artigo 139.º do CE).

  1. Quanto ao produto das coimas, é de considerar que dependerá naturalmente se se trata de uma infração leve ou grave e da entidade fiscalizadora, no primeiro caso. Assim, sendo uma infração leve e a entidade fiscalizadora um órgão municipal ou uma empresa local e/ou concessionária enquanto entidade autuante e fiscalizadora do CE e sua legislação complementar, bem como dos regulamentos e posturas municipais de trânsito [cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 107/2018] a receita será 100% para o município, de acordo com os n.os 1, 3 e 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 107/2018. Se a entidade fiscalizadora for uma força de segurança e a contraordenação rodoviária for em matéria de estacionamento proibido, indevido ou abusivo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do diploma referenciado, nesse caso a receita irá apenas reverter em 70% para o município e em 30% a favor da entidade fiscalizadora em causa (PSP ou GNR)[xxi].

De acordo com o n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 107/2018, tratando-se de uma infração grave em matéria de estacionamento, o produto das coimas, quando resulte de atividade de fiscalização dos serviços municipais, reverte em 55% a favor do município, 35% em favor do Estado e 10% em favor da ANSR.

A Autora:

Marlene Teixeira de Carvalho – Advogada e Membro do Centro de Estudos Jurídico-Administrativos do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (CEJA/CRL)

i – Para mais desenvolvimentos cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 107/2018, de 29 de novembro (doravante Decreto-Lei n.º 107/2018).

ii – De referenciar que: “constitui contraordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à ANSR, e para o qual se comine uma coima” (cf. artigo 131.º do CE) e que “constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” [cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 17 de outubro – Regime Geral das Contraordenações (doravante RGCO)].

iii – Cf. ainda o n.º 7 do artigo 169.º do Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio que aprovou o Código da Estrada (doravante CE).

[1] Veja-se o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro: “1 – A fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada e legislação complementar incumbe:

  1. a) À Direcção-Geral de Viação e à Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, em todas as vias públicas;
  2. b) À Guarda Nacional Republicana e à Polícia de Segurança Pública, em todas as vias públicas;
  3. c) Ao Instituto das Estradas de Portugal, nas vias públicas sob a sua jurisdição;
  4. d) Às câmaras municipais, nas vias públicas sob a respectiva jurisdição”.

E n.º 3 do mesmo artigo: “3 – A competência referida na alínea d) do n.º 1 é exercida através:

  1. a) Do pessoal de fiscalização das câmaras municipais designado para o efeito e que, como tal, seja considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente;
  2. b) Das polícias municipais;
  3. c) Do pessoal de fiscalização de empresas públicas municipais designado para o efeito e que, como tal, seja considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente, com as limitações decorrentes dos respectivos estatutos e da delegação de competências e após credenciação pela Direcção-Geral de Viação.
  4. d) Do pessoal com funções de fiscalização das empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal e que, como tal, seja considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente, com as limitações decorrentes da lei, dos respetivos estatutos, dos contratos de concessão e da delegação de competências e após emissão de cartão de identificação pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”.

iv – Quanto ao conceito de localidade cf. alínea j) do artigo 1.º do CE: «Localidade» – zona com edificações e cujos limites são assinalados com os sinais regulamentares.

v – “A câmara municipal é constituída por um presidente e por vereadores, um dos quais designado vice-presidente, e é o órgão executivo colegial do município, eleito pelos cidadãos eleitores recenseados na sua área” (cf. n.º 1 do artigo 56.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro).

vi – De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 107/2018, “os municípios estão isentos do pagamento das despesas de adaptação e utilização do sistema SCoT” e devem cumprir o disposto no artigo 5.º do mesmo diploma. De acordo com o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 146/2014, [p]ara efeitos de processamento e aplicação das sanções, o auto de contraordenação é remetido à câmara municipal exclusivamente através do Sistema de Contraordenações de Trânsito (SCoT), salvo se aquela ainda não tiver aderido ao SCoT, caso em que o auto de contraordenação deverá ser remetido por via eletrónica com aposição de assinatura eletrónica qualificada”. Cf. Portaria n.º 254/2013, de 26 de abril quanto à utilização do SCoT.

vii – “A competência para o processamento e aplicação de coimas nas contraordenações rodoviárias por infrações leves relativas a estacionamento proibido, indevido ou abusivo nos parques ou zonas de estacionamento, nas vias e nos demais espaços públicos quer dentro das localidades, quer fora das localidades, neste caso desde que estejam sob jurisdição municipal, é da respetiva câmara municipal”.

viii – O regime legal é omisso relativamente à atribuição de competência aos municípios e empresas locais, com competência delegada, para a instrução e decisão de processos de contraordenação, incluindo a aplicação da coima, por infrações graves [cf. alíneas o) e q) do n.º 1 do artigo 145.º do CE]. Não estando inequivocamente afeta aos municípios e empresas locais essa competência, no quadro do regime legal vigente, não se vislumbra a sua competência para a instrução e decisão de processos de contraordenação por infrações graves, cabendo esta exclusivamente à ANSR.

ix – Cf. Despacho n.º 11594/2019, publicado em Diário da República n.º 236/2019, Série II de 9 de dezembro de 2019 (“Sumário: Modelos de auto de contraordenação em uso para as infrações ao Código da Estrada e demais legislação complementar e termos da notificação”).

x – De acordo com o n.º 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 107/2018, “sempre que não seja possível utilizar o SCoT, os municípios facultam mensalmente à ANSR, por meios eletrónicos, informação detalhada sobre o levantamento dos autos de contraordenação”.

xi – De acordo com o n.º 2 do artigo 7.º, “a polícia municipal ou outro pessoal de fiscalização dos serviços municipais, expressamente indicados pelo presidente da câmara municipal, têm, na medida do estritamente necessário, acesso à identificação e respetivo domicílio do titular do veículo”.

xii – Serviço disponível no Portal da ANSR. 

[1] A título exemplificativo, cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 264/17.0T9LOU.P1, de 29 de dezembro de 2017, disponível AQUI.

[1] Cf. n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 107/2018.

 

5 – Principais questões dos leitores recebidas na semana passada:

  • O valor da Taxa Turística Municipal é idêntico para todos o país, ou pode ser livremente fixado por cada Município?
  • O processo de descentralização vai ficar ser mais um ano. De quem é a culpa deste atraso?
  • Onde posso consultar o valor da taxa de derrama que o meu Município vai cobrar este ano.

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