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Mais uma vez o Observatório teve razão // Prevenção de riscos de corrupção // Recusa de identificação de infratores // Espanha – ajustes diretos simplificados // resposta a pergunta // Formações do Observatório

1 – Observatório (mais uma vez) teve razão, e a revogação da isenção de IMI, prevista no Orçamento não vai  “seguir em frente”, evitando-se novos perigos de  “desertificação e abandono dos imóveis históricos”:

Mais uma vez, o Observatório congratula-se com o seu papel muito ativo em chamar a atenção para determinadas decisões que não defendem o património e, podem potenciar a “desertificação e abandono dos imóveis históricos” e atentados ao património arquitetónico e cultural .

A revogação da isenção de IMI dos prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal – não foi aprovada – situação que veio demonstrar que a “maturidade cultural” se sobrepôs a alguns interesses económicos.

Nesta matéria, também se colocavam pertinentes interrogações sobre a constitucionalidade de tal revogação.

O artigo 233.º da Proposta de Lei n.º 5/XIV apresentada (para o Orçamento do Estado para 2020), com a epígrafe “Norma revogatória no âmbito do EBF”, vinha propor a revogação das alíneas n) do n.º 1 e d) do n.º 2 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Ora a alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º preceitua que estão isentos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) os “prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”; determinando a alínea d) do n.º 2 do artigo citado que as isenções se iniciam no ano em que ocorra a isenção.

O Tribunal Constitucional extrai do artigo 2.º o princípio do Estado de Direito Democrático, e considera estar ínsito a este princípio, o da confiança. Tendencialmente, associa-se o princípio da confiança ao princípio da boa fé, no sentido de os particulares deverem poder ter confiança nas condutas do Estado que possam bulir com situações jurídicas tuteladas (vide direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos).

Quanto ao princípio da proporcionalidade, a prova da conformidade constitucional dessa medida revogatória faz-se à luz de, maxime, dois subprincípios daquele: o subprincípio da adequação e o subprincípio da proporcionalidade stricto sensu. À luz do primeiro é mister saber se esta revogação era adequada à prossecução de um outro interesse público secundário que o fundamentasse e à luz do segundo deveria aferir-se se a revogação da isenção não podia ser substituída por outra medida menos gravosa, que poderia alcançar o mesmo fim.

O meio empregue parecia ser, claramente, excessivo tendo em conta as necessidades criadas pela tutela da confiança aquando da aquisição dos imóveis pelos seus proprietários, quando poderia ter sido adoptada outra medida, menos gravosa. Felizmente, a nossa voz e de outras associações da sociedade civil foram ouvidas, e a medida de duvidosa constitucionalidade foi rejeita.

 

2 – Planos de prevenção de riscos de corrupção dos operadores económicos na contratação pública:
Na proposta de lei das Grandes Opções do Plano para 2020 constam como objetivos, v.g., a prevenção e o combate à corrupção e à fraude.
Neste sentido, deve o Governo:
a) Instituir a obrigação de as médias e grandes empresas disporem de planos de prevenção de riscos de corrupção, fixando os requisitos mínimos a que devem necessariamente obedecer os programas de conformidade das grandes empresas;
b) Estabelecer como condição de acesso a concursos para a realização de empreitadas de obras públicas e outros contratos públicos a partir de determinado valor, por parte de grandes empresas, a existência e observância de planos de prevenção de riscos de corrupção.
Assim, parece-nos que o legislador vem instituir um sistema com uma dupla discriminação entre:
– Procedimentos de contratação pública que obrigam a apresentação pelos operadores económicos de planos de prevenção de riscos de corrupção, e os demais sem esse pré-requisito;
– Operadores económicos classificados como «grandes empresas», versus operadores económicos classificados como «micro empresas» e «médias empresas» (PME).
Ora, interrogamo-nos sobre: i. Qual será o critério a utilizar para a escolha do valor do procedimento (valor do contrato ou preço base?), e o seu montante (valor do contrato superior aos limites para a escolha dos procedimentos fechados?); ii. Qual será o critério a utilizar para a classificação das «grandes empresas»? 
Na Recomendação da Comissão, de 6 de Maio de 2003,  a categoria das PME é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
Como resulta do exposto tais medidas pressupõem, necessariamente, a introdução de alterações no Código dos Contratos Públicos.

3 – Artigo – A recusa de identificação dos infratores quando ordenada por agentes da polícia municipal[i] – Dr. Luís Marques, Chefe do Gabinete de Apoio ao Comando da Polícia Municipal de Lisboa:

  1. As polícias municipais encontram o seu regime jurídico vertido em legislação dispersa, embora possamos defluir quatro diplomas principais:
  2. a) A Lei n.º 19/2004, de 20 de maio (doravante Lei n.º 19/2004), que se autodenomina de “lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais”; diríamos que se encontra nesta o «núcleo duro» do regime das polícias municipais[ii];
  3. b) O Decreto-Lei n.º 197/2008, de 07 de outubro (doravante Decreto-Lei n.º 197/2008), que estabelece as regras a observar na criação de polícias municipais, regulando, nesse âmbito, as relações entre a administração central e os municípios;
  4. c) O Decreto-Lei n.º 239/2009, de 16 de setembro (doravante Decreto-Lei n.º 239/2009), que regula os direitos e os deveres dos agentes de polícia municipal, assim como as condições e o modo de exercício das respectivas funções;
  5. d) O Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro (doravante Decreto-Lei n.º 13/2017), que estabelece o regime especial das polícias municipais de Lisboa e do Porto.
  1. As polícias municipais não são forças de segurança ou serviços de segurança[iii], mas são serviços municipais que desenvolvem funções de polícia administrativa[iv] – nas palavras do legislador, cabe-lhes “fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos”.[v] Com efeito, tendo por funções primárias as próprias de uma polícia administrativa local[vi], não deixam de ter como funções secundárias as próprias de uma polícia de segurança (competência subsidiária mas complementar)[vii] e de uma polícia criminal (preventiva mas residual)[viii].
  2. Os agentes da polícia municipal têm a natureza de agentes de autoridade policial – ou seja, «agente policial» –, o que determina o exercício dos seguintes poderes de autoridade:
  3. a) O dever de obediência pelos particulares objeto de ordem ou mandado legítimos;
  4. b) A competência para ordenar, identificar os infratores e solicitar os respetivos documentos de identificação[ix], no exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração de autos para que são competentes[x].

Claramente, no âmbito das suas funções de fiscalização o agente da polícia municipal que verifique a prática de uma contraordenação pode exigir ao infrator a sua identificação[xi]. Sendo, como é, legítima a ordem dada ao infrator, a sua recusa de identificação[xii], determina a sua punição com a pena prevista para o crime de desobediência, previsto no artigo 348.º do Código Penal[xiii].

  1. Outra questão resulta da aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 250.º do Código do Processo Penal, i.e., “na impossibilidade de identificação [do infrator, os elementos da polícia municipal] (…) podem conduzir o suspeito ao posto policial mais próximo”, para que se proceda “à [sua] identificação”. Por um lado, a previsão no citado artigo 250.º abrange apenas os suspeitos da prática de crime, e nunca a prática de ilícitos de mera ordenação social. Por outro lado, como resulta da leitura do regime policial vertido na Lei n.º 19/2004, e no regime contraordenacional constante do Decreto-Lei n.º 433/82, não encontramos norma autorizadora que habilite a polícia municipal, a proceder conforme o disposto no citado artigo 250.º[xiv] [xv].
  2. O afirmado nos parágrafos anteriores não tem merecido um entendimento claro e pacífico.

Na doutrina, Paulo Pinto Albuquerque defende que a recusa injustificada de identificação por pessoa suspeita do cometimento da contraordenação é punível como desobediência, sendo aplicável o artigo 348.º do Código Penal[xvi]. Em posição oposta, Manuel Monteiro Guedes Valente – embora afirme que o prescrito no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82 “legitima normativamente as autoridades policiais a exigir ao agente de uma contraordenação a respetiva identificação” – considera inaplicável a “cominação do crime de desobediência em contraordenações”; o que permite à autoridade policial conduzir o agente de uma contraordenação, para identificação, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 250.º do Código do Processo Penal, “por aplicação subsidiária nos termos do artigo 41.º” do Decreto-Lei n.º 433/82, “sob pena de não só se inoperacionar a atividade da polícia no âmbito das contraordenações, como também ser impossível responsabilizar o agente da contraordenação por inexistência de identificação do mesmo[xvii].

O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República teve oportunidade no Parecer n.º 28/2008, de 08 de maio[xviii], de responder às seguintes questões: “Os agentes das polícias municipais podem, no exercício de funções de fiscalização, proceder à identificação de infratores? O não acatamento dá origem a crime de desobediência?”. E foi afirmado que: “[d]a análise empreendida sobre os elementos objetivos do tipo legal de desobediência, consideramos que o não acatamento de uma ordem de identificação dada por agente da polícia municipal no exercício das suas funções configura uma conduta com relevância penal, podendo integrar, verificados os demais elementos típicos, a prática de um crime de desobediência. Tal conduta é subsumível a normas que concreta e expressamente a qualificam e punem como crime de desobediência. Essas normas estão contidas no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004 e no artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março”. [xix]

Na jurisprudência, é entendimento que a recusa de identificação por parte do infrator no regime contraordenacional, o faz incorrer em crime de desobediência[xx].

5.1. Ora a obrigação de identificação por parte do infrator, quando ordenada por agente de autoridade e incumprida, segundo a jurisprudência, não determina a tramitação do procedimento de identificação prevista no artigo 250.º do Código do Processo Penal. Assim é, porquanto a medida policial de identificação prevista no citado artigo 250.º é relativa a responsabilidade criminal, nunca aplicável a casos de responsabilidade contraordenacional[xxi].

  1. O legislador não estabeleceu um regime unívoco de polícias municipais mas bidirecional; com efeito, podemos classificar as polícias municipais como de regime comum ou de regime especial. Ao contrário das polícias municipais de regime comum, as de regime especial detém um regime jurídico próprio[xxii], distinto do previsto na Lei n.º 19/2004, atualmente fixado no Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro. Assim, as polícias municipais de Lisboa e do Porto constituem no direito português um corpo especial de polícia municipal, porquanto são constituídas por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, sujeito ao estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública. Ora, sendo o estatuto dos agentes das polícias municipais de regime comum, com as devidas especificidades, o dos funcionários da administração local[xxiii], os elementos das polícias municipais de Lisboa e do Porto mantêm o seu estatuto profissional de origem – ou seja, do pessoal policial da Polícia de Segurança Pública, o que, claramente, determina a manutenção da situação jurídica policial (a «condição policial»). Nas palavras do legislador “os polícias a exercer funções nas polícias municipais de Lisboa e do Porto estão sujeitos aos deveres e gozam dos direitos previstos estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública[xxiv].

Como resulta do exposto, a manutenção da condição policial dos polícias municipais de Lisboa e do Porto, ainda que desenvolvendo a sua atividade em «serviços municipais», deverá pressupor a continuidade da sua natureza de agentes de força pública e de autoridade[xxv], de autoridade de polícia[xxvi] e de autoridade e órgão de polícia criminal?[xxvii] Desde logo, o incumprimento de “ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da PSP, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada[xxviii].

Bem sabemos que as polícias municipais de Lisboa e do Porto beneficiam das “atribuições, funções e competências das polícias municipais de Lisboa e do Porto (…) decorrentes da Lei n.º 19/2004[xxix]. O que nos apraz registar é a congruência ou não, dos polícias a desenvolverem atividade nas polícias municipais de Lisboa e no Porto estarem dotados dos poderes de autoridade previstos na Lei n.º 19/2004, ou dos poderes de autoridade determinados pela Lei n.º 53/2007. No segundo caso parece apontar alguma doutrina, quando em anotação ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 13/2017, afirma que «finalmente, cumpre ainda referir o disposto no artigo 11.º do EPPSP, de onde decorre o poder de autoridade. Com efeito, nos termos do n.º 1 deste artigo, “[o]s polícias estão investidos do poder de autoridade nos termos e limites previstos na Constituição e na lei”». Por sua vez, de acordo com o n.º 2, “[o]s polícias que desempenhem funções de comando e direção exercem o poder de autoridade inerente a essas funções, bem como a correspondente competência disciplinar.” É de notar que a inserção do poder de autoridade em sede da secção relativa aos deveres parece derivar do facto de estar aqui em causa um poder-dever. Isto é, os polícias não apenas estão investidos no poder de autoridade, como estão legalmente obrigados a exercê-lo”[xxx].

Embora a Lei n.º 53/2007 integre na definição de «órgãos de polícia criminal», “todos os elementos da PSP com funções policiais” (critério funcional)[xxxi], a Lei n.º 49/2008 qualifica não os elementos, mas a entidade policial (critério subjetivo) – in casu, a PSP –[xxxii], o que parece esvaziar, neste âmbito da condição policial, os polícias a prestar serviço em serviços municipais[xxxiii].

Ora, cremos que o legislador não ignorava quando, sem qualquer exceção, submeteu os polícias que integram a estrutura da PSP, mas prestam serviço nas polícias municipais de Lisboa e do Porto, ao estatuto profissional de origem, tendo inclusive – expressamente –, feito referência aos deveres e direitos “previstos estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública”. O que aponta para que a relação jurídico-laboral de base estabelecida com a PSP, não fica «suspensa», pelo ato constitutivo da relação com a entidade de destino – resultante da nomeação em comissão de serviço nas polícias municipais de Lisboa e do Porto[xxxiv].

Não obstante o explanado, o regime, mais que especial – nesta matéria –, híbrido, das polícias municipais de Lisboa e do Porto, merece talvez o seu aprofundamento legislativo.

i – O presente texto apenas vincula o seu autor.

ii – Aliás, competência exclusiva da Assembleia da República, nos termos do disposto na alínea aa) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.

iii- Previstos no n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto, denominada de “Lei de Segurança Interna”.

iv .A “polícia administrativa consiste no conjunto das atividades que têm por objeto a emissão de regulações, gerais e individuais, indispensáveis à salvaguarda da ordem e seguranças públicas, isto é, da segurança, da tranquilidade, da salubridade e da saúde públicas” [António Francisco de Sousa, Manual de Direito Policial (Direito da ordem e segurança públicas), Porto, 2016, pp. 54-55]. Anteriormente, Sérvulo Correia, entendia a polícia administrativa como “a atividade da Administração Pública que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham ou continuem a lesar bens sociais cuja defesa preventiva através de actos de autoridade seja consentida pela Ordem Jurídica” (Polícia, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. VI, Lisboa, 1994, p. 395).

v – N.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 19/2004.

vi – A polícia municipal é um serviço de polícia (em sentido formal), não deixando de se qualificar como uma verdadeira polícia a nível local (em sentido material); neste sentido, António Francisco de Sousa, 2016, p. 215.

vii – V.g., funções de vigilância previstas nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004. “A atividade de polícia municipal não pode ultrapassar os limites conceptuais e teleológicos de uma polícia materialmente subsidiária no plano da segurança interna” (Manuel Monteiro Guedes Valente, Teoria Geral do Direito Policial, 4.ª Ed.ª, Coimbra, 2014, p. 85).

viii – As polícias municipais não são órgãos de polícia criminal, identificados no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto (doravante Lei n.º 49/2008), denominada de “Lei de Organização da Investigação Criminal”; assim, é referido expressamente no n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004. Não exercendo funções de órgão de polícia criminal, cabe-lhes atuar na prevenção criminal, porquanto têm o dever de verificado diretamente o cometimento de um crime, “proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito” (n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004), e indiretamente tendo conhecimento de factos relativos a crimes comunicá-los imediatamente à entidade competente para a investigação (artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 239/2009). Por outras palavras, no “âmbito da prevenção criminal, os atos da polícia municipal não assumem a natureza funcional de órgão de polícia criminal” (Manuel Monteiro Guedes Valente, 2014, pp. 92-93).

ix – Qualificando a ordem dirigida ao cidadão para a sua identificação como ato administrativo policial: António Francisco de Sousa, 2016, p. 290. Para o mesmo autor (p. 555) a “identificação policial” consiste no controlo ou certificação dos elementos de identidade de uma pessoa determinada.

x – Artigos 14.º da Lei n.º 19/2004 e n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 239/2009. A identificação dos infratores de normas administrativas não se confunde com a identificação prevista no n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004 (Manuel Monteiro Guedes Valente, 2014, p. 102). Na verdade, no primeiro caso estamos perante uma medida de polícia administrativa e no segundo caso uma medida de polícia criminal.

xi – Aliás, tal competência decorre para qualquer autoridade administrativa ou policial do disposto no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (doravante Decreto-Lei n.º 433/82), que institui o Ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

xii – I.e., pela falta de apresentação de documentos comprovativo da sua identidade.

xiii – N.º 1 in fine do artigo 14.º da Lei n.º 19/2004. Na verdade, observamos a similitude da redação do n.º 1 do artigo 14.º citado com o n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal: “1 – Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente (…)”, e com o n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto (doravante Lei n.º 53/2007) – que aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública: “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da PSP, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada”.

xiv – Na verdade, esta medida de polícia tinha de estar prevista na lei (ou no regime policial municipal ou no regime contraordenacional), atento o princípio da tipicidade. A omissão de norma autorizadora (ou competencial) impede que a polícia municipal possa deter o infrator e conduzir o mesmo a posto policial (ou seja, a uma unidade policial de força de segurança). Este entendimento revela que não se possa socorrer do disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82.

xv –   Contra, António Leonel Dantas, que no Parecer n.º 28/2008 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República emana a seguinte doutrina: “a existência de uma obrigação de identificação não legitima o recurso à ordem de identificação, nos termos do n.º 1 do referido artigo e ao crime de desobediência para punir a sua violação, permitindo apenas, em primeiro lugar, a própria exigência da identificação, e, em caso de recusa, a realização das diligências previstas no artigo 250.º do Código de Processo Penal tendentes à obtenção desse elemento”.

xvi – Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1.ª Ed.ª, Lisboa, 2011, pp. 206-207.

xvii – Manuel Monteiro Guedes Valente, 2014, pp. 275 e 278, respetivamente.

xviii – Publicado no Diário da República n.º 155/2008, II S, de 12 de agosto de 2008.

xix – Revogado pelo Decreto-Lei n.º 239/2009.

xx – Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/05/2008 (Proc. n.º 3710/08), e do Tribunal da Relação de Évora de 15/11/2016 (Proc. n.º 35/15.9GEALR.E1), ambos in www.dgsi.pt. No primeiro aresto resulta claro que “é legítima a ordem emanada por agentes de autoridade no sentido do arguido fornecer os seus elementos de identificação”; a recusa de identificação determina o cometimento, pelo arguido, de um crime de desobediência. No segundo aresto, conclui-se no mesmo sentido, i.e., pela legitimidade da ordem de identificação, e correspondente cominação com o crime de desobediência. Em ambos os casos, os Tribunais invocam o disposto no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82.

xxi – Neste sentido, os citados Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/05/2008 (Proc. n.º 3710/08) e do Tribunal da Relação de Évora de 15/11/2016 (Proc. n.º 35/15.9GEALR.E1). Contra, Manuel Monteiro Guedes Valente, 2014, p. 278.

xxii – Artigo 22.º da Lei n.º 19/2004.

xxiii – N.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 19/2004.

xxiv – Artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 13/2017.

xxv – N.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 53/2007.

xxvi – Artigo 10.º da Lei n.º 53/2007.

xxvii – Artigo 11.º da Lei n.º 53/2007.

xxviii -N.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 53/2007.

xxix – N.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 13/2017.

xxx – Anotação de Jorge Silva Sampaio, in Marco Caldeira et al., O regime jurídico das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto Anotado, 1.ª Ed.ª Braga, 2017, p…

xxxi – Alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 53/2007.

xxxii – Alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2008.

xxxiii – Ainda assim, não deixamos de apontar o caso de, no site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, ser integrado nos diplomas que regem os órgãos de polícia criminal, o Decreto-Lei n.º 13/2017; o que não deixa de ter a relevância, que se queira. V. http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_main.php?codarea=454 

xxxiv – N.º 3 do artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro.

 

4 – Resposta do Sr. Dr. Pedro Sousa, à seguinte questão de um leitor do Observatório – “Os municípios estão em estado de sujeição da EDP na atual relação contratual;

Por sermos uma Associação que defende a pluralidade de opiniões e a liberdade de expressão, publicamos a resposta do Sr. Dr. Pedro Sousa, à questão de um  leitor, inserida na rubrica – perguntas semanais dos leitores:

“Eu diria que os Municípios estão num estado de sequestro figurativo pela EDP Distribuição, mas ao mesmo tempo com uma síndrome de Estocolmo, em relação ao seu raptor. Pese embora a palavra “sequestro”, à primeira vista, possa ter uma leitura pesada, que me contradiga quem conseguir nomear o primeiro Município que já tenha conseguido, da parte da EDP Distribuição, as informações necessárias, e com um grau de precisão adequado, para poder fazer o cálculo da viabilidade económico-financeira da sua concessão, ou até mesmo apenas para a normal fiscalização e controlo da concessão.

Por outro lado, e aqui entra a síndrome de Estocolmo, estarão os Municípios a fazer tudo para “escapar” deste sequestro? Terão os Municípios, os recursos humanos e técnicos que lhes possibilitem fazer essa fiscalização e esse controlo da concessão? Estarão os Municípios devidamente municiados para poderem fazer os devidos cálculos e estudos que os permitam tomar a decisão mais adequada relativamente ao futuro da sua concessão?

Em jeito de conclusão, diria que em nome do serviço público e da causa pública, a que qualquer organismo público se deve sentir obrigado, os Municípios, em especial estes, que gozam de uma proximidade quase que familiar com os cidadãos, devem esforça-se por garantir a melhor opção de exploração das suas redes de distribuição de energia elétrica BT, seja ela através da exploração direta, seja através da concessão. Trata-se de um bem público e essencial, que deve ser explorado tendo como referência a qualidade de serviço prestado e a sua sustentabilidade, e não o rédito que poderá advir desta atividade.

Pedro Sousa (Dr).

 

5 – Em Espanha o legislador amplia a desformalização dos ajustes diretos simplificados («contratos menores») para a celebração de contratos públicos:
Em Portugal as entidades adjudicantes podem utilizar um procedimento de formação do contrato público desformalizado, designado por ajuste direto simplificado (ADS).
Mas o legislador impõe um limite ao valor do contrato, e um limite ao valor a adjudicar ao mesmo operador económico.
A escolha do ADS determina o limite para o preço contratual de € 5.000, para bens e serviços, e € 10.000, para as obras públicas.
A escolha do ADS releva para efeitos de compatibilização do valor total dos contratos adjudicados ao mesmo operador, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na sequência de procedimentos fechados (consulta prévia ou ajuste direto), considerando o valor máximo a adjudicar pelo procedimento.

Pelo Real Decreto-Lei n.º 3/2020, de 4 de fevereiro, o legislador espanhol vem abrir as portas a uma maior utilização do ADS (designado na lei espanhola por «contratos menores»).
A escolha do ADS determina o limite para o preço contratual de €15 000, para bens e serviços, e € 40 000, para as obras públicas. A adoção do ADS exige a fundamentação da sua necessidade apenas quando superior a €5 000.
Anteriormente, apenas poderia ser adjudicado ao mesmo operador económico, o valor total anual permitido (ou seja, um operador não poderia celebrar contratos com o mesmo objeto, precedidos de ADS, de valor contratual superior a €15 000 ou €40 000, respetivamente. Com a alteração legislativa as entidades adjudicantes espanholas podem de futuro utilizar o ADS para adjudicar ao mesmo operador económico, sem qualquer restrição, nomeadamente, por deixar de existir um limite anual ao valor a adjudicar ao mesmo operador, quando precedido de ADS.

Perante a revisão futura do Código dos Contratos Públicos será um fator a relevar, para que os operadores económicos portugueses, mais uma vez, não tenham um tratamento mais desfavorável além e aquém «fronteira». 


6 – Perguntas semanais dos leitores:

Na semana passada  – as 3 principais questões dos leitores –, foram as seguintes:

  • Para que data está prevista o final da revisão do Código dos Contratos Públicos?
  • Qual o significado do símbolo do Observatório das Autarquias Locais?
  • Legalmente é possível suspender a decisão de acabar com a circulação automóvel na baixa de Lisboa?


7 – Formações do Observatório em destaque nesta semana:

Entre as várias formações e cursos ministrados pelo OAL – destacamos esta semana – as que tratam da capacitação de quem exerce as funções de Gestor do Contrato:

    • Formação geral para Gestores do Contrato;
    • Formação sobre a utilização de ferramentas informáticas pelos Gestores do Contrato;
    • Formação para os Gestores do Contrato por especialidades técnicas;
    • Formação avançada para os Gestores do Contrato.

8 – Comunicações do OAL vão passar a conter quinzenalmente entrevistas com os Srs. Presidentes de Câmara:

A partir da próxima semana iremos publicar quinzenalmente, entrevistas com os Srs. Presidentes de Câmara, que nos vão dar a conhecer a forma como estão a exercer os seus cargos.

A primeira entrevista será publicada na próxima semana, e terá como entrevistado o Sr. Dr. José Manuel Bolieiro, Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada.

 

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